Legal Design: Inovação e acesso ao mundo Jurídico

<< voltar

Legal Design: Inovação e acesso ao mundo Jurídico


Data da publicação: 10/08/2021

A área jurídica, assim como tantas outras áreas, passa por transformações. As novas faces para o Direito, incrementadas pelo modelo mental do Design Thinking, faz surgir o Visual Law, que tem como ferramenta a experiência prática para entender informações jurídicas, uma revolução no mundo do Direito por meio da empatia, colaboração e experimentação, para fazer diferente, se posicionar num mercado em evolução constante.

O Legal Design é um conceito novo, uma forma de avaliar e criar serviços jurídicos através de equipes multidisciplinares, está efervescendo no mundo todo e muito longe de um esgotamento sistêmico. Sua popularização é atribuída à professora Margaret Hagan, diretora do Legal Design Lab, nos Estados Unidos.

Tendo como premissa “processo, mentalidade e mecânica”, esses três recursos podem ajudar a conceber, construir e testar melhores maneiras de fazer as coisas na lei, e que irão envolver e capacitar leigos e os profissionais do direito.

– “Mas mudar o que já vem sendo feito há décadas?”

– “Tem a ver com a formação dos sócios e líderes, com a cultura do escritório.”

– “Com o propósito do escritório, que veio ao mundo dos negócios.”

– “O advogado não é formado para ser designer, isto é coisa de artista. Isso não se aplica ao mundo do Direito!”

– “Tem a ver se o cliente não vai achar tudo muito infantilizado, afinal ele está esperando um calhamaço de papel escrito.”

– “E se o juiz não entender nada?”

Resistir ao diferente é natural. Mas de qual lado do futuro você vai estar?

Tudo é processo evolutivo. Para uns, barreiras naturais levarão uma vida inteira para serem quebradas; para outros profissionais, ávidos por inovação e posicionamento no mercado de forma diferenciada, é uma necessidade premente este novo modo de pensar e agir.

Mas e se o instrumento jurídico precisar de um parecer urgente, e este documento possuir páginas e páginas escritas? Imagine o impacto psicológico de um parecerista ao se deparar com um documento denso, que por muitas vezes não consegue explanar de forma clara o fato. Agora, imagine o documento ilustrado por elementos gráficos que demonstram melhor suas colocações, com uma lógica mais encadeada e direcionada especificamente para o perfil do interlocutor… Esta é a essência do Legal Design.

Os três pilares que sustentam o Legal Design, em que se aplicam Design e métodos ágeis aos documentos e fluxos internos para conseguir atender os clientes com a agilidade que eles precisam e com uma comunicação que todos entendam, são :

Empatia: “Ver o mundo com os olhos dos outros”, conectar usuários com soluções que dialogam com seu universo, “colocar-se no lugar do outro”. Ouvir, entender os sentimentos dos outros, compreender para descobrir a solução mais próxima à qual eles anseiam.

Colaboração: Trabalho em equipe multidisciplinar. Outros olhares para o mesmo problema promoverão conexões, troca de experiências entre pessoas com habilidades e percepções diversas, e são fundamentais para chegar a soluções criativas e inovadoras.

Experimentação: Colocar em prática ideias que possam revolucionar, trazer algo diferente, novas compreensões e novos entendimentos, sair do campo do sonho ou do medo para propor algo que não seja o óbvio, o esperado.

O Design Thinking é uma poderosa prática para compreender o todo de um projeto. Do problema à sua solução, encontramos as fases: imersão, diagnóstico e o por em prática para ser testado. Não uso a palavra metodologia para Design Thinking – um conceito abstrato que pressupõe que seja algo como passo a passo -, uso “modelo mental” por entender ser mais apropriado na construção de um raciocínio multidisciplinar e inovador.

Como definir Legal Design?

Podemos defini-lo como uma necessidade de criação de produtos jurídicos mais claros e que realmente atendam às necessidades de seus usuários. Há um vazio entre Direito e as interfaces digitais, um vácuo muito grande na redação extremamente romantizada, palavras remontam séculos na formatação dos textos jurídicos e o entendimento global do que realmente se pretende dizer. Isto começa na formação universitária, o que pode gerar um texto prolixo e sem objetividade. Em detrimento a isto, somos uma sociedade visual, estimulada a todo instante por imagens.

Com elementos de User Experience – UX (em portugês, experiência do usuário) – e aqui não estou tratando de tecnologias e sim do processo de apoiar o comportamento do usuário por meio da usabilidade, sua utilidade e conveniência fornecida na interação com um produto ou serviço -, a experiência de entregar soluções profundas passa pela experiência que o cliente vai ter durante todo processo. Levando o termo para o mundo dos negócios, a experiência centrada no usuário abrange toda a experiência que o usuário tem como a empresa do início ao fim; se a experiência for fraca, não irá criar vínculo, relações de longo prazo com o cliente. A partir disto é possível entender e mensurar a preocupação com o usuário dentro do universo do Design. É a experiência mapeando informações para projetos futuros e resolução de problemas.

Sendo assim, definimos Design como projeto, concepção de um produto, um serviço. Pensamos não somente como design e desenho, arte e estética, mas como a viabilidade de produção e funcionalidade. No campo da comunicação Design, é ferramenta de informação, e eu o classifico como ferramenta de transformação, de conversão de estado inerte para o entendimento, compreensão de algo.

Com a fusão do termo Legal (jurídico, em português) a área do Legal Design abarca não a estética da beleza, mas dar funcionalidade de para um produto de informação com mais objetividade e de forma clara, seja ele nas mais diversas plataformas de vídeo, gamificação, infográficos, entre outras soluções visuais. Muito longe de pensar que o Legal Design é dar uma “cara mais organizada e bonita para a peça jurídica”. Aqui reforço que o desejo é focar na questão informacional do instrumento que será apresentada de forma mais clara e interativa ao usuário. O design da organização preza pela forma de trabalho para obtenção de melhores resultados e o Legal Design faz parte da cultura da Inovação.

O Legal Design utiliza de ferramentas do Design Editorial, cuja  premissa está em garantir informações que o usuário precisa saber e entender para compreender o fato, fazendo com que possa confiar na informação inserida na peça. Mais do que organizar e guardar informações é importante a compreensão do todo. Neste processo, o storytelling é o fio condutor de como se dará o enredo desta narrativa de história, transmitindo o evento em forma de palavras, imagens e sons. Sendo assim, advogados podem combinar elementos visuais e textuais para contar a história detalhada do caso e aumentar as chances de persuadir os magistrados. Além disso, podem transformar contratos cansativos em documentos claros, interativos e prazerosos de ler.

O código de Hamurabi é um resgate do que é Legal Design em sua estrutura, narrativa e linguagem visual. Recordando, Hamurabi (1792/1750 a.C) foi um guerreiro, estadista e legislador elevou Babilônia à principal potência da Mesopotâmia. Seu Código de Leis criado em 1772 a.C – escrito em sistema cuneiforme, isso é, em forma de cunha, uma escrita inventada pelos sumérios -, contém 282 decretos e uma imagem altamente sugestiva de um governo justo. O material em que estão registradas as leis desse código é de basalto azul. A peça tem 2,25 m de altura, 1.50 m de circunferência na parte superior e 1,90 m.

O Legal Design é uma derivação do Design da Informação e tem indícios de acontecimento na Universidade de Stanford, com o Legal Design Lab; na Holanda, o grande expoente é o escritório chamado de  Aclara. Na África do Sul, o escritório Comic Contracts, do advogado Robert de Rooy, o é responsável por criar contratos no formato de quadrinhos para conseguir gerar inclusão social. Robert está desenvolvendo, pesquisando e defendendo contratos de quadrinhos como uma forma de pessoas analfabetas entenderem contratos e documentos jurídicos de forma independente, além de orientar comportamentos e melhorar o relacionamento entre as partes contratantes. O Legal Design ganha espaço pelo mundo.

O modo de pensar do Design Thinking é outro recurso para construção do raciocínio do entendimento de abordagens ao ramo jurídico, abordagens essas que se baseiam em conceitos de design e no componente humano das questões, visando à resolução de problemas do cliente jurídico de forma que o entendimento seja inovador e criativo.

No dia a dia de um advogado faz sentido o Design Thinking: o embate do problema versus a solução. Se o Direito é centrado nas pessoas, o Design também.

Na tríade “desejo-viabilidade-praticidade”, nem tudo que é desejável é viável e nem tudo que é viável é prático, e o Design Thinking vai entender o fluxo de possíveis soluções.

O Visual Law é uma ferramenta, um segmento que trata do sentido mais aguçado do ser humano: a visão. Por isso o uso de elementos visuais gráficos para dar mais clareza aos conteúdos.

Particularizando o Visual Law, que é uma subárea do Legal Design, ele facilita o entendimento das informações jurídicas para que qualquer pessoa possa compreender o seu conteúdo, tornando assim mais clara uma peça processual, um contrato ou uma explanação em busca de novos entendimentos.

O Visual Law se aplica em diversas possibilidades em que o foco seja tornar a informação mais clara e acessível:

– Propostas de serviços jurídicos;

– Termos e condições mais simples visualmente;

– Uma petição com estrutura reorganizada com ênfases visuais e elementos gráficos;

– Uma pesquisa de mercado demonstrando de forma segmentada a conexão dos pontos levantados com a atuação jurídica.

Ferramentas e recursos como infográficos, fluxogramas e pictogramas são usados, nessa área, para ilustrar estatísticas, narrar acontecimentos em ordem cronológica, criando linha do tempo, e apresentar comparativos. Ilustrações e bullet points dão mais vivacidade, e vídeos explicam casos complexos e destacam argumentos através de QR Codes, para complementar as petições. A escolha da paleta cromática é usada para dar mais entendimento, proximidade… tudo isto através da ciência do círculo cromático, num processo conduzido por um storytelling, que humaniza a narrativa, gera empatia, cria argumentações cativantes, criando, assim, fluência no texto.

No Brasil, esta técnica está presente em petições, contratos e termos de usos. Se não houver uma nova forma de pensar, o sistema jurídico levará décadas para entender e julgar os mais de 78,7 milhões de processos que tramitavam no Poder Judiciário, de acordo com dados de 2018 do site do Conselho Nacional de Justiça, tendo cerca de 21 mil juízes no País para apreciar tudo com a devida atenção, levando ao insucesso da causa.

Somos uma sociedade visual, temos muito mais capacidade de lembrar de imagens em apresentações visuais. Outro fator a ser considerado é a aceleração da vida moderna e a relação das pessoas com o tempo.

Mas se o uso de técnicas estudadas cientificamente pode contribuir para facilitar o fluxo nos tribunais, no melhor entendimento e na leitura e compreensão universal, por que advogados e juristas não adotam esta prática?

As ferramentas e os elementos visuais do Design são poderosos instrumentos de comunicação, mas grande parte dos advogados não os aplica em petições, optando pela argumentação textual, o que torna cada vez mais exaustivo o trabalho de juízes, que têm que se debruçar por longas horas e dias para ler e compreender a peça processual, um trabalho cansativo em que nem sempre o entendimento é satisfatório para ambas as partes.

Daí, conclui-se que profissionais da advocacia não adotam recursos visuais nas peças processuais por:

 – Desconhecimento da técnica e recursos visuais disponíveis;

 – Não possuir conhecimento de Design;

 – Não saber editoração de informações textuais, imagens e a relação com recursos visuais;

 – Não acreditar na persuasão de uma peça visual;

– Comodismo de não reaprenderem e acreditarem que a elaboração desses recursos represente um trabalho desgastante e ineficaz, o que os fazem optar pela produção textual.

Mas entendo que o Legal Design como um instrumento para aprimorar o nível de argumentação de advogados precisa ser aprendido por muitos profissionais. Estamos num novo encontro com a inovação e, como qualquer novidade, provavelmente será rechaçado por alguns magistrados, que resistirão aos elementos visuais. Mas é inegável que o excesso de processos, somado à escassez de tempo dos juízes para apreciar tudo, exige dos advogados novas perspectivas de atuação.

Bem-vindos ao mundo da multidisciplinaridade, que deve começar na formação universitária, passar pelos escritórios tradicionais, para chegar aos tribunais, e aí definir: de qual lado do futuro você vai estar?

Marcelo Silvani

Designer_Professor e entusiasta do Legal Design.

Faça uma busca

Categorias

Newsletter