Como começar com segurança jurídica

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Como começar com segurança jurídica


Data da publicação: 24/02/2021

Nos últimos anos, o número de startups cresceu exponencialmente no Brasil, passando de aproximadamente 4.150 em 2015 para 13.433 em 2021, com a atuação majoritária nos segmentos de educação (8,44%), finanças (5,8%), saúde (5,3%), internet (5,06%), ecommerce (4,33%), comunicação e mídia (3,59%) e agro (3,55%), segundo dados apurados pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups).

Embora o mercado seja promissor, inclusive em escala global, já que o Brasil é o 20º de 100 países do ranking mundial da StartupBlink2
, iniciar qualquer modelo escalável é desafiador, independente do setor ou da originalidade do serviço ou produto a ser ofertado, já que existem inúmeras barreiras regulatórias, societárias e de propriedade intelectual que precisam ser enfrentadas desde o início da operação por partes dos
empreendedores, que muitas vezes possuem recursos e know-how jurídico limitados.

Por essa razão, ainda quando a startup é embrionária, é comum surgirem incertezas sobre a necessidade – ou até obrigatoriedade – de serem formalizados contratos, termos, registros ou sociedades empresariais, já que o negócio pode não prosperar, não interessar a investidores ou sequer sair do papel.

De antemão, deve ser alertado que o grande óbice da ausência de formalização de startups é que algumas tomadas de decisões iniciais, como incorporar ou retirar sócios, receber aportes, adquirir, transferir ou licenciar tecnologias, entre outras, podem acarretar elevados riscos legais, inclusive resultando em disputas judiciais futuras.

Assim, antes mesmo de iniciar o projeto, alguns mecanismos contratuais podem ser adotados pelos empreendedores para que o investimento – de tempo inclusive – seja realizado de modo seguro. O primeiro instrumento que pode ser celebrado por quem deseja empreender em conjunto é o Memorando de Entendimento ou Memorandum of Understanding (MoU).
O MoU, como é conhecido, é usado em fases iniciais para regular direitos, obrigações e expectativas dos empreendedores quanto ao futuro do projeto, podendo conter definições, princípios, escopos, licenças de propriedade intelectual e cláusulas societárias, indicando como será formalizada a startup. Seu objetivo principal é pactuar o modo como a startup deverá funcionar, evitando a alocação de recursos em processos burocráticos para constituição de sociedades antes mesmo de eventual MVP (Minimum
Viable Product) ou de surgirem oportunidades de investimentos.

Superada a fase inicial, com maior maturidade do modelo de negócio, é essencial que os empreendedores comecem a refletir sobre o melhor formato jurídico para constituir a startup, que, embora em sua essência tenha aspectos inovadores, ainda deve respeitar os tipos societários que existem no Brasil.

1 Estatísticas disponíveis em https://startupbase.com.br/home/stats.
2 Global Countries Ranking of Startup Ecosystem disponível em https://www.startupblink.com.

Via de regra, no mercado, startups adotam o regime de sociedade limitada ou sociedade anônima, apesar de existirem outros previstos em lei que podem ser escolhidos a depender do porte, quantidade de sócios ou acionistas e complexidade da atividade. A escolha do melhor tipo societário deve ser sempre avaliada de startup para startup, sem equação ou fórmula pronta.

Caso seja escolhida a sociedade limitada, por ter menor complexidade comparada com a sociedade anônima, os empreendedores ainda sim podem inserir no contrato social a regência supletiva pela Lei nº 6.404/1976, passando a estabelecer regras específicas em acordo de sócios, com cláusulas de Stock Options (Put e Call), Drag Along, Tag Along, Lock Up, entre outras, atrativas para investidores que buscam participar do negócio, bem como relevantes para os empreendedores que não querem perder o controle empresarial.

É igualmente importante que os empreendedores reflitam sobre como pretendem expandir a startup, e se precisarão ou não de aportes futuros. Isso porque podem ser pactuados contratos específicos com opções de compra, mútuo conversível e outros mecanismos, operacionalizando de modo seguro a entrada de capital por terceiros e fundos, inclusive estrangeiros, mitigando riscos e tributos.

Além do mais, para proteção do modelo empresarial da startup, evitando a concorrência direita ou indireta desleal, bem como o uso de know-how ou informações sigilosas, os empreendedores podem celebrar no próprio acordo de sócios ou mesmo anteriormente, em fases preliminares, termos de confidencialidade e não concorrência, conhecidos no mercado como NDA (Non-Disclosure Agreement).

Outro mecanismo que pode ser adotado é o contrato de Vesting. Em suma, é natural que outros profissionais com diferentes habilidades dos fundadores de startups, que estejam inseridos no mesmo ecossistema de inovação, sejam atraídos ou convidados a participarem de novos projetos para impulsionar o negócio. Ao invés de serem incorporados como sócios da startup, podem concordar que a participação na sociedade será futura, nos termos do Vesting, evitando alterações e obrigações societárias de imediato.

Assim, com segurança, os empreendedores podem agregar outras pessoas, como desenvolvedores, engenheiros e administradores, observando como a parceria irá se estabelecer com o transcorrer do tempo, ficando acordado que, se forem cumpridos determinados objetivos, metas e prazos, haverá o ingresso na sociedade sob o percentual predefinido.

Ainda, é fundamental que os empreendedores observem se os seus softwares, hardwares ou obras desenvolvidas foram devidamente protegidas por meio de patentes ou registros, na forma da Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/1996 ou Lei de Direitos Autorais nº 9.610/1998, evitando que terceiros usem indevidamente suas criações intelectuais. A depender do core business da startup, a proteção intelectual deve ser o primeiro ponto de atenção, já que qualquer infração poderá colocar o modelo em risco.

Finalmente, a startup tem de identificar se em sua atividade haverá o tratamento de dados pessoais, que, segundo a Lei Geral de Proteção de Dados nº 13.709/2018, que entrou em vigor recentemente, em setembro de 2020, deve ser realizado de forma adequada, respeitando os princípios e pautando cada operação em uma das bases elencadas nos artigos 7º ou 11, se sensíveis.

A não observância aos termos da legislação poderá resultar em fiscalizações, sanções e proposituras de demandas judiciais, ainda mais se o modelo for B2C (Business-toConsumer), sem prejuízo de investidores optarem por não alocar mais o capital na startup em razão do risco regulatório, relembrando que, a partir de agosto de 2021, as empresas poderão ser autuadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), com advertências, bloqueio de dados pessoais ou multas de até 2% do faturamento, limitadas a 50 milhões de reais.

Eduardo Helaehil

Eduardo Helaehil é advogado, bacharel pela Universidade de Sorocaba (Uniso), pósgraduando em Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias pela FGV São Paulo e membro da Comissão de Direito Digital da OAB Subseção de Sorocaba.

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